21/01/08

homenagem privada a uma Mulher pública!

Entrei em Londres

num café manhoso (não é só entre nós

que há cafés manhosos, os ingleses também,

e eles até tiveram mais coisas, agora

é só a Escócia e parte da Irlanda e aquelas

ilhotazitas, mais adiante)


Entrei em Londres

num café manhoso, pior ainda que um nosso bar

de praia (isto é só para quem não sabe

fazer uma pequena ideia do que eles por lá têm), era

mesmo muito manhoso,

não é que fosse mal intencionado, era manhoso

na nossa gíria, muito cheio de tapumes e de cozinha

suja. Muito rasca.


Claro que os meus preconceitos todos

de mulher me vieram ao de cima, porque o café

só tinha homens a comer bacon e ovos e tomate

(se fosse em Portugal era sandes de queijo),

mas pensei: Estou em Londres, estou

sozinha, quero lá saber dos homens, os ingleses

até nem se metem como os nossos,

e por aí fora...



E lá entrei no café manhoso, de árvore

de plástico ao canto.

Foi só depois de entrar que vi uma mulher

sentada a ler uma coisa qualquer. E senti-me

mais forte, não sei porquê, mas senti-me mais forte.

Era uma tribo de vinte e três homens e ela sozinha e

depois eu



Lá pedi o café, que não era nada mau

para café manhoso como aquele e o homem

que me serviu disse: There you are, love.

Apeteceu-me responder: I’m not your bloody love ou

Go to hell ou qualquer coisa assim, mas depois

pensei: Já lhes está tão entranhado

nas culturas e a intenção não era má, e também

vou-me embora daqui a pouco, tenho avião

quero lá saber



E paguei o café, que não era nada mau,

e fiquei um bocado assim a olhar à minha volta

a ver a tribo toda a comer ovos e presunto

e depois vi as horas e pensei que o táxi

estava a chegar e eu tinha que sair.

E quando me ia levantar, a mulher sorriu

Como quem diz: That’s it



e olhou assim à sua volta para o presunto

e os ovos e os homens todos a comer

e eu senti-me mais forte, não sei porquê,

mas senti-me mais forte

e pensei que afinal não interessa Londres ou nós,

que em toda a parte

as mesmas coisas são.


Ana Luísa Amaral

4 comentários:

ASPÁSIA disse...

MISS PEA

MUITO ORIGINAL ESTE POEMA, DE UM HUMOR ALGO BRITISH!

BEIJOKA LATINA...

ASPÁSIA disse...

GLUP, MISS PEA..

ESTA CAIXA DA VERIFICAÇÃO É TÃO CHATA PARA OS MEUS OLHINHOS, àS VEZES CUSTA-ME DISTINGUIR AS LETRAS... NÃO A PODES TIRAR? JÁ TENS MODERAÇÃO E REGISTO...

UI QUE HORROR, FUI ALI ABAIXO VER AS LETRAS QUE SAIRAM SÃO MUIOT COMPRIDAS E ESTREITINHAS, MUITOS EMES E ENES PEGADOS... SNIF...

BEIJOKA VERIFICADA A CUSTO...

Olavo Maluf disse...

Obrigado por partilhares este fantástico poema. Lembro com muita emoção o momento em que Ana Luisa Amaral desceu ao palco, no Simpósio Simpósio Internacional (Re)Inventando Lideranças: Género, Educação e Poder. No momento em que arvorou a sua voz, senti-me profundamente feliz. No final, após brevíssimos minutos de poesia lida com a alma, senti-me alucinantemente livre, todo a tremer por dentro. Ainda hoje o sinto, foi um momento maravilhoso... Obrigado por mo reavivares e parabéns pela escolha.
Um beijo,
Pedro.

ASPÁSIA disse...

THAAAAANKSSSSS, MISSSSS PEEEEAAA!!!!

POR TIRARES A "MANHOSA" DA CAIXA DE LETRAS!!!

BEIJOCA LIBERTADA!


passearam no meu país...

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