05/02/09
...ele(o)gia(o) maternal
O OFÍCIO DE-VER.
Arquitectos de ruínas e urdidores de meta-foras.
A manhã ordenou-me inteira que despertasse para nomear os desejos. Não pude fazê-lo, disse-lhe que me chateavam os nomes e que me doiam as ordens e a lei.
Estive a ponto de irar-me mas só consegui um já sem fôlego " Crisântemo!"
Calei, era o melhor que podia fazer.
Fiquei-me com o prazer da palavra morta, lambi do beiço o café e os restos mortais das injúrias. Vim olhar o cá fora.
Há varandas em todo olhar e os que habitam vêm passear-se nelas, vêm ver quem passa, ou respirar, ou simplesmente descansar da tarefa de estar dentro, fumar os ares da cidade, sacudir os lençóis de casal, reclamar a pertença das fachadas. Poucos vão à varanda. Poucos vêm à varanda. E menos são os que vêm à varanda como quem decididamente vem à varanda. E menos ainda são os que quando vêm à varanda saiem realmente,vêm de facto cá fora. Por isto , muitas varandas são enganos, são só promessas de exterior , não são mais que pequenas extensões visíveis do dentro.
Poucos, quase nenhuns, vêm à varanda com a devida importância. É importante fazer as coisas com a devida importância.Uma varanda exterior permite esse milagre do solo firme para o ver de vôo. Mas muitos, quase todos, quando vêm à varanda não vêm à varanda. Estão ainda no sofá, no banho, nos afazeres da escrivaninha. Ou então nem em casa estão. Saíram há muito tempo e a verdade é que não voltaram. Nunca regressaram. Ainda assim podemos vê-los à varanda. Eles é que não podem ver-nos.
Mas há outros. Há aqueles que que sabem bem dos privilégios de se ter uma varanda, têm muito presente o acrescido valor que, nos dia que correm, com a agoniante falta de lugar, representa poder estar num espaço exterior, uma real alterntiva ao cansaço das paredes, das cadeiras, ao peso dos tectos, ao desarticulado arfar das alcatifas.
Umas são de ferro, umas de cimento , outras estão talhadas na própria pedra dos prédios. Essas parecem predicar o privilégio. Algumas são austeras, outras simplesmente geométricas. Muitas reservam , além da ameça do desmoronamento,e não sei bem porquê, um ar clássico.Erguem-se em colunas, desenham-se em capitéis e terminam nos cotovelos de olhar as ruas, quase cornucópias sem natureza .
Imagino um mundo sem varandas. Toma-me uma tristeza absoluta. Compadeço-me, contra a minha vontade,dessa visão. Comovo-me. Olho outra vez todas as fachadas ondulantes, toda a arquitectura se desfaz num bocejo. Perco momentaneamente o ar. Venho à varanda. Respiro. Volto as costas ao interior. Posso agora, graças ao maravilhoso invento da perspectiva, ver todas as varandas desenhadas sobre as linhas de fuga.Quase todas estão vazias. Que pena!
Devem estar todos muito ocupados a habitar o interior .
Marta Bernardes
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
passearam no meu país...
Raríssimas...sabe o que é?
Arquivo da ervilheira
-
▼
2009
(178)
-
▼
fevereiro
(30)
- ...quem tem amigos assim, quem é?
- ...pensamentos avulsos
- ...porque o que é nacional é bom!
- ...da vida!
- ...LINDOS!
- ...deve ser por estarmos no Carnaval, não???
- ...da prosa alheia (2)
- Visões, Ficções com dedicatória*
- ...assim nunca chegarei a ser ca(o)nonizada!
- ...dar uma de politicamente instruída
- ...até ruborizei! de VERGONHA, mesmo!
- ...Gostar(imenso) de MULHERES!
- ...ai, ser solidário, moderno e coisa e tal!
- ...da singela pretensão de ofertar.
- ...em troca de 2 caixas de chocolates. Da GODIVA, ...
- ...fica o convite
- ...blogamigas e interesting things!
- ...ligue a TV!
- ...aviso aos menos espertos
- ...quais Universidades, quais quê?
- Dry The Rain and be a little more happy.
- ...Eluana!
- ...prosa alheia
- ...efeito "bola de e.mail"
- ...coisas dominicais
- ...só disponível para apreciadores
- ...ele(o)gia(o) maternal
- ...da importância da poesia
- ...em 1982 era assim.
- ...das questões da juventude, experiência e status
-
▼
fevereiro
(30)
A minha "mais Kika"
om
Ervilhas de cheiro
- 5 Dias
- A Invenção de Morel
- A Origem das Espécies
- A terceira noite
- Activismo de Sofá
- Agua Lisa
- Ajuda Alimentar Animal
- Almocreve das Petas
- ana de amsterdam
- Anacruses
- antonio sousa homem
- Antropocoiso
- Arco-da-Velha
- Arrastão
- Assim mesmo
- Avalon ou o novo sítio do Jorge C.
- Avatares de um Desejo
- Avenida Central
- Aventar
- Barreira de Contacto
- Branco no Branco
- Caixa Geral de Despojos
- Caminhos da Memória
- Ciberescritas
- Cite &Pense
- Ciência Hoje-FCG
- Clube Literário do Porto
- coisas do Gomes
- Complexidade e Contradição
- Cyberdemocracia
- Da Literatura
- De Rerum Natura
- Der Terrorist
- Desculpe Qualquer Coisinha
- Dionísio
- dos livros e outras histórias
- Dr.Maybe
- Dúvidas Linguísticas
- Entre as Brumas da Memória
- Entre deus e o diabo
- Estado Civil
- f-se
- Fantasias
- Fernando Nobre
- Fishspeaker
- Folhas da Gaveta
- Funes, el memorioso
- Gabriela Stanchina
- Ganda Chatice....
- Gato Fedorento
- Gattopardo
- Glória Fácil...
- Gonçalo M.Tavares
- Governo Sombra
- Há Vida em Marta
- Irmão Lúcia
- Isto diz-me respeito
- Jacarandá
- Jaime Roriz
- Janelas do Mouro da Linha
- Jugular
- Lauro António
- LER
- Lumife
- Marta Bernardes- a voz
- mazinha
- Miguel Vale de Almeida
- Murcon
- Nuno Markl
- O Caderno de Saramago
- O mundo Perfeito
- O Mundo tem inscrições sempre abertas
- O Sol existe-Iza
- OP
- Os livros ardem mal
- País Relativo
- Pedra Fria
- Perplexidades
- Pobre e mal agradecido
- Potlach
- Professor Goulão
- Psiadolescentes
- Psic
- Quintas de Leitura
- Renas e Veados
- Respirar o mesmo ar
- Ritti
- Rua da Judiaria
- Rui Zink
- Salpicos
- Sem Muros
- Serendipity
- Sinusite Crónica
- Stanza Oscura
- Síndrome de Estocolmo
- Telégrafo de Hermes
- Tempo Contado
- Teor da Pele
- Troblogdita
- Uma certa enciclopédia chinesa
- UMAR
- valter hugo mãe
- We Have Kaos in the Garden
- WOAB
- Womenageatrois
Sem comentários:
Enviar um comentário